sábado, 9 de julho de 2016

Teologia do cotidiano

[...] Era assim que Casimiro de Abreu acreditava em Deus, e todo mundo decorou e recitou o seu poema teológico: Eu me lembro…era o mar bramia, e erguendo o dorso altivo sacudia a branca espuma para o céu sereno. E eu disse à minha mãe naquele instante: “Que dura orquestra...! Que furor insano...! Que pode haver maior que o oceano ou mais forte que o vento...?” Minha mãe a sorrir olhou para os céus e respondeu: “Um Ser que nós não vemos...! E maior que o mar que nós tememos, é mais forte que o tufão, meu filho: é Deus...!” Leio e releio os poemas de Cecília Meireles. Por que releio, se já os li...? Por que releio, se sei, de cor, as palavras que vou ler...? Porque a alma não se cansa da beleza, ela as escreveu.: O crepúsculo é este sossego do céu / com suas nuvens paralelas / e uma última cor penetrando nas árvores / até os pássaros. / E esta curva de pombos,rente aos telhados, / e este cantar de galos e rolas, muito longe; / e, mais longe, o abrolhar de estrelas brancas,/ ainda sem luz. É claro que acredito em Deus, do jeito como acredito nas cores do crepúsculo, do jeito como acredito no perfume das mirtáceas, do jeito como acredito na beleza da sonata, do jeito como acredito na alegria da criança que brinca, do jeito como acredito na beleza do olhar que me contempla em silêncio.Tudo tão frágil, tão inexistente, mas me faz chorar. E se me faz chorar, é sagrado. É um pedaço de Deus…
(Rubem Alves)


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